Presente, presente!

Fui, segundo intuição, visitar o lugar. Bucólico, miúdo, tão simples e encantado! Cachoeiro de Brumado. Ao chegar, já de cara, povoei todas as minhas infâncias. E o que restava de mim recomecei em poucos dias, ali mesmo! Tirei logo os sapatos e comecei a andar tateando um calçamento que massageava meus pés. Um misto de prazer e desobediência posto que em meus ouvidos lá de tempo quase caduco, minha mãe vaticinava.; – Vá se calçar menina, a pedra tá fria e além disso pode se machucar no cascalho. Ah, saudades dessas ordens codinome cuidados, contudo, era extremamente libertador meus 40!

Bom, pousei no casebre que aluguei por temporada e tudo me surpreendia. Parecia frações espalhadas de mim, tamanha privacidade. Casa onde me acolheram as louças floridas, tacho de cobre, panelas de pedra, pilão, tecido bordados e também um lampião. A luz elétrica ficaria a gosto quando não quer se ver a meia luz. Tudo tão lindo e de um bom gosto genuíno e peculiar. Riquezas nas miudezas, talheres sofisticados e tradicionais.

Tomei um banho de cachoeira no quintal da casa. Eu me benzi, ávida de desejos que ali se consumavam num silêncio absoluto e revelador. A sinfonia das águas são registros específicos. Todos podem ouvir o mesmo som de sua força quando bate nas pedras, mas ela tem um recado e uma linguagem própria para cada um dos ouvintes. E comigo não foi diferente…

Ali guardei orações, segredos e pactos. Que limpeza profunda, que sensação de leveza e deslumbramento…

Bom, para não tecer mais fios, em meu penúltimo dia da mais profunda solitude, caminhei rumo ao legado da terra; artesanato! Pitas e sisais, bambus, palha de todas as texturas, contas de lágrimas (minha avó tinha um terço feito com elas). Histórias recontadas sobre viagens bem pitorescas dos tropeiros e as cargas de pedra sabão, além de casa com utensílios que retratavam a época.

Encontrei mais uma vez o meu reduto naquele clima de poesia fresca. Em sintonia, vem ao meu encontro, uma senhorinha de olhos azuis de um mar aberto, feições Cora Coralina. A minha vontade era de encher aquela figura de beijo. Entre fuxicos de cores das mais variadas e um cheiro de alecrim do mato, ela se apresenta. Em segundos já virava voltas a nossa prosa. Continuamos em sua casa, com a oferta de café coado á lenha e broa que já exalava o cheiro. Que cantinho mais lindo, tão cheio de arte, vida! Eu poderia passar a língua no chão. Uma nascente de água cristalina e uma horta que tinha até morangos silvestres! O jardim em volta da casa toda, abraçava e fazia a melhor companhia. Tudo muito bem conservado e preservado.

E a memória? Nem se fala. Entre seus estados Brumado Cachoeirense ela distribuía nomes de escultores, artesãos, santeiros, capelas, pousadas, festas típicas. Rendeu naquela conversa de pé de fogão, um histórico quase lendário. Atribuía nome até aos bois. Fora as histórias pessoais que confidenciamos. Me apaixonei e só não me belisquei com medo de acordar. Nos despedimos num abraço caloroso e cheio de promessas. Sorrisos de canto a canto.

Malas e samburás prontos, extra de muitas artes, doces, licores, eu estava calçada. Os sapatos pela primeira vez me apertavam. Sentei-me no sofá macio e envolvente, e com pés para cima tentava convencê-los a me levar para casa sem muitas desculpas. Sorte minha que os sinos tocam, campainhas existem e a garganta insiste. Dona Sofia me chamava!

Passei por cima de tudo atropelando sapato deitado e em pé e fui recebê-la como quem ficaria para não a deixar ir embora.

 Trazia entre os braços algo embrulhado numa colcha de fuxicos em tons degradê de terra. E como se carrega um bebê assim que nasce, ela se dirigia a mim numa entrega e confiança total. Ali tinha alma acima de nós duas. Eu abri segundo a prescrição. Como se abre algo frágil, pesado e raro.

Não consigo com fidelidade descrever o que senti. É como se eu tentasse explicar as cores a um cego. Talvez isso pertença aos magos.

Algo relicário, algo que traça estradas que nos levam além do chão.

E foram dois, iguaizinhos!

Eu relutei em aceitar tamanho desprendimento.

Mas ela logo justificou de modo simples e encantado como aquele lugar.

Um é para você querida e o outro você irá presentear. Na hora certa, tempo e pessoa.

Guardei esse tesouro por muitos anos, já cheirava a guardado de tanto esperar.

 Percorri sem pressa uma ESTRADA REAL…

E Hoje digo a Dona Sofia, onde quer que esteja, que achei a pessoa ideal…

É uma poeta em tudo que toca. Possui um olhar que nada tira. Acrescenta. Leva o valor imaterial que a arte faz questão de compartilhar. Sente a arte nas flores, no modo de servir seus amores, em cada pedacinho que ela amplia para caber uma cor.

Foram tantas práticas que percebi nessa linda pessoa, vivenciando seus desdobramentos, sua alegria em tirar uma foto que chegasse pelo menos ao mínimo no que ela desejava transmitir.

E para uma vida que se renova todos os dias, ela continua, na tradução de sua parte.

Sempre bem vinda a primaverar nos outonos, invernos e verões!

Continuemos a viajar… Esse roteiro vai além dos mapas indicativos. Tem uma vida plena de sentidos!

 Aproveite amiga!!!!

A arte não está no fato de reconhecer, mas de pertencer.

Viajar em todos sentidos, criar espaços até onde parece não ter.

Agora em suas mãos NENENA, a trilogia está completa.

Trilharemos uma Estrada Real, um caminho de história poesia e beleza. Onde as CECENAS e afins são convidadas, SOFIAS e as companhias que agente desejar…

Nosso sempre começo. Nosso endereço.

#VAMOSQUEVAMOS!!!