Canto Coral: qualidade de vida e motivação de funcionários

“Temos a arte para não morrer da verdade”.

Friedrich Nietzsche

 

Após assistir um recital do Coral Cênico Arte e Canto, um Coral formado por funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte, fiquei pensando sobre o impacto das ações coletivas, da música e das artes para a melhoria da qualidade de vida e a motivação dos funcionários. Além do encantamento artístico, pude perceber naquele maravilhoso encaixe de vozes, o trabalho em equipe, a complexidade para a organização de toda aquela estrutura, mas sobretudo, perceber a valorização humana pessoal e profissional que o Coral promove.

No mundo inteiro, práticas de Gestão de Pessoas passam por uma evolução constante e refletem adequações e tensões entre as empresas, as pessoas e as comunidades, tanto regionais, quanto globais. Estes tensionamentos, são frutos da busca pela melhoria da qualidade de vida e das práticas de gestão que acabam por formular legislações, requisitos e parâmetros mínimos que as empresas devem seguir.

Procurei mais sobre estes assuntos e descobri que vários programas culturais desenvolvidos pelas empresas particulares e na gestão pública, começaram a surgir no Brasil, principalmente, após o fim da Ditadura Militar. Nesta época, uma nova Constituição (CF/1988) foi formulada em resposta aos anseios sociais, com princípios democráticos, entre eles: o valor social do trabalho (art. 1º, IV, CF/1988) e o direito à vida digna, à liberdade (art. 5º, CF/1988), assegurou aos cidadãos o direito de exercerem livremente qualquer ofício (art. 5º, CF/1988).

O direito fundamental ao trabalho exige a melhoria da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). O termo surgiu na década de 1970, conforme Chiavenato (2004):

“O termo Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) foi cunhado por Louis Davis, na década de 1970, quando desenvolvia um projeto sobre desenho de cargos. Para ele, conceito de QVT refere-se à preocupação com o bem-estar geral e a saúde dos trabalhadores no desempenho de suas tarefas […] Atualmente, o conceito de QVT envolve tanto os aspectos físicos e ambientais, como os aspectos psicológicos do local de trabalho […] tem sido utilizada como indicador das experiências humanas no local de trabalho e o grau de satisfação das pessoas que desempenham o trabalho e implica profundo respeito pelas pessoas.”

[…]

“para alcançar níveis elevados de qualidade e produtividade, as organizações precisam de pessoas motivadas, que participam ativamente nos trabalhos que executam e que sejam adequadamente recompensadas pelas suas contribuições.” (CHIAVENATO, 2004)

O enfoque às questões sobre a QVT, justifica-se pela percepção de práticas de gestão que se tornaram uma exigência por parte: – das Empresas, pois afetam diretamente a qualidade do trabalho em si e a geração do lucro; – dos indivíduos, trabalhadores que percebem que suas vidas estão muitas vezes sendo colocadas em risco por condições de trabalho insalubres e questionáveis; e, – a comunidade em geral, que também percebe como são afetadas pelo consumismo desenfreado e por práticas de gestão que destroem o meio ambiente e vidas às custas do lucro. A partir de então, é necessário destacar que, boas práticas de gestão são requeridas e são importantes tanto no setor privado quanto no setor público, embora em ritmos e contextos diferentes, como bem relata VIEIRA (2004), em seu Relatório técnico-científico “Programa de Qualidade de vida no Trabalho para servidores da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte”, 

“As empresas passaram a contratar programas de desenvolvimento e de projetos relacionados à área. Foram vários os movimentos, discussões em seminários e congressos. No entanto, apesar de toda tentativa, apenas uma pequena parte das empresas, na sua maioria as de grande porte e multinacionais efetivaram mudanças. As empresas de médio e pequeno porte não contavam nem mesmo com as funções básicas de GRH. Na área pública ressaltamos que o processo de mudança ocorre de maneira lenta devido às frequentes mudanças políticas que dificultam o desenvolvimento dos trabalhos implantados” (p. 05).

Ainda segundo Vieira (2004, p. 05) “pensar em um Programa de Qualidade de Vida para o trabalhador é criar condições para um viver mais satisfatório em relação ao que ele busca para si e sua família”, estes anseios e necessidades impactam os resultados do trabalho. Complementando, ela nos diz que “pensar em um Programa de Qualidade de Vida para o servidor é criar condições para um viver mais satisfatório em relação ao que ele busca para si e sua família”.

Segundo Lobo, Gomes, Santos, Klein, Rocha, Silva, (2015), o canto Coral desperta inúmeros benefícios:

O benefícios de uma ação com finalidade de promover a socialização e comunicação se tornam ainda mais intensificados quando esta se estabelece de modo coletivo. Atualmente, já se sabe que as vivências coletivas em saúde permitidas nas intervenções em grupo valorizam e legitimam os saberes, além de fazer com que os sujeitos envolvidos se sintam participantes e corresponsáveis pela própria saúde, transcendendo o modelo biomédico da compreensão do processo saúde-doença e efetivando, cada vez mais, uma atenção centrada na pessoa. (p.1573)

Sobre este aspecto sociocultural do canto Coral, Oliveira (2016, p. 18) afirma que “o contato com o universo musical pode transformar significativamente a vida de uma pessoa, seja qual for a sua idade ou condição social. A música pode conectar diretamente o homem, a sociedade e a cultura”. Neste sentido, Salazar (1989 apud Amato, 2007, p.79) confirma a importância sociocultural do canto coral: “A música, concebida como função social, é inalienável a toda organização humana, a todo agrupamento social”.

Em meio a todo um encantamento com os Corais de funcionários e tudo que ele proporciona de positivo para a qualidade de vida dos trabalhadores, sobretudo, para a saúde mental, fiquei pensando em como os processos seletivos são desumanizadores. Em algumas empresas, durante o processo seletivo, chegam a perguntar o hobby dos candidatos, mas grande parte dos gestores têm dificuldades até de deixar o funcionário tirar férias, imagine se vão estimular a prática de um hobby? Acabam por fazer os empregados esconderem habilidades tidas como menos importantes, mas que fazem parte de quem elas realmente são e se constituem. Outro fator é que os recrutadores usam esta informação de qualquer forma ou apenas para desclassificar candidatos.

Nota-se que o preço que se paga por desconsiderar ou negligenciar tais habilidades, é cada vez mais alto, tendo em vista a quantidade de casos de depressão, baixa autoestima e o aumento da quantidade de atestados médicos e afastamentos. Em contrapartida, o estimulo aos hobbys, participação em atividades socioculturais, com o investimento na saúde fisica e mental, favorecem resultados cada vez melhores, mais confiáveis e seguros. Além disso, os programas QVTs, ao motivarem as pessoas, fortalecem a qualidade dos produtos e serviços e potencializam a imagem da empresa.

Muitos dos Corais de trabalhadores e aposentados, são formados em empresas de grande porte, quase sempre vinculados a associações de funcionários, aposentados e de Classe. Outros aspectos, é que em sua maioria, são sucateados, contam com poucos recursos e o voluntariado é regra. Não podemos ignorar que, numa sociedade capitalista, o grande estimulo, é somente à concorrência!

Baseando-se nas teorias aplicadas pelos processos seletivos, mais notadamente no enfoque de “Recrutamento e Seleção”, é possível observar que não há melhor técnica a ser aplicada pelos setores de Gestão de Pessoas das empresas, visto que o emprego de cada uma delas irá variar de acordo com o cargo a ser ocupado, atributos exigidos e qual o nível de instrução de cada candidato. Desde o recrutamento e seleção, as pessoas participantes de certos processos seletivos costumam se comparar umas com as outras: qual o melhor currículo, a melhor formação, as melhores experiências, as melhores habilidades e quais foram os tipos de técnicas de seleção aplicadas em processos que já participaram. Mesmo após serem aprovados nestes processos a concorrência continua e para se manterem empregados e a saúde fisica e mental acaba de lado.

É natural do ser humano possuir carências – entenda-se carências como necessidades básicas para sobrevivência – tais como: alimentação, educação, vida social, comunicação, reprodução e outras. Entretanto, na sociedade capitalista há a ideia de que só se é reconhecido socialmente aquele que possui um alto “status”, posse de dinheiro e bens materiais. A busca pelo status social e o mundo corporativo cada vez mais competitivo, evidencia o lado perverso do homem, pois neste contexto o trabalho será o meio no qual ele manifestará sua racionalidade, vendendo o seu capital intangível (o conhecimento) para ganhar dinheiro e materializar todas as suas vontades.

Após toda esta abordagem, agora com um pouco mais de conhecimento técnico sobre o assunto, não pretendo ser pessimista, mas destacar a importância dos programas de Qualidade de Vida no Trabalho. Os Corais de funcionários revelam seu principal desafio: Valorizar a pessoa humana e motivar os funcionários a encontrar o melhor de si mesmos.

Abaixo indico uma Bibliografia para aprofundamentos. Sintam-se a vontade para continuar estes estudos e sugerir novas referências.

Termino este texto da mesma forma que iniciei, com meu amigo Nietzsche:

“A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida,
portanto fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e,
se possível, agradáveis uns aos outros.”

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FILMES E SÉRIES:

  • Filme: “Mudança de Hábitos”  sobre a transformação social através da música.
  • Filme: “El Método”  – O filme espanhol, pode ser considerado uma obra na qual o autor, através da ficção, busca retratar de forma intensa como grandes empresas podem conduzir determinados processos de seletivos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA

AMATO, Rita de Cássia Fucci. O canto coral como prática sociocultural e educativo-musical. FMCG. 2007. Revista OPUS, Goiânia, v. 13, n. 1, p. 75-96, jun. 2007.

CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: e o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004

________. Gestão de pessoas – 2. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

________. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração
das organizações. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

________. Recursos humanos: o capital humano das organizações. 8º ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993.

________. A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez, 5a ed., 1998.

FIGUERA, Tadeu; RAMALHO, Jorge. NBR ISO 9001:2008: guia brasileiro para interpretação e aplicação. São Paulo: Atlas, 2012. 208p. 

LOBO, B.P.L.; GOMES, A.M.L.S.; SANTOS, A.M.O.; KLEIN, M.S.; ROCHA, C.L.S.; SILVA, J.R. Influência do canto coral na qualidade de vida em voz dos usuários do serviço público de saúde. Rev. CEFAC:1573-1579. 2015 Set-Out, 7p. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rcefac/v17n5/1982-0216-rcefac-17-05-01573.pdf Acesso em: 13 de maio de 2020.

MORELENBAUM, Eduardo. Coral de Empresa Um Valioso Componente Para o Projeto de Qualidade Total. Conservatório Brasileiro de Música. Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Ensino. Mestrado em Música. Rio de
Janeiro, 1999, 121p. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/producaointelectual/obras_intelectuais/325_obraIntelectual.pdf. Acesso em: 13 de maio de 2020.

OLIVEIRA, André Rodrigues Costa de. O Canto Coral e Suas Influências Socioculturais. Instituto de Artes da UNESP. São Paulo, 2016, 71p. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/155626/000886634.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 13 de maio de 2020.

VIEIRA, Maria Regina; Programa de Qualidade de vida no Trabalho para servidores da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. In: PRÊMIO INOVAR 2014. Decreto 14.642 de 10 de novembro de 2011. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte: órgão oficial do município; Belo Horizonte, 2014, 32 p.

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PARA REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DESTE TEXTO:

RIBEIRO, Norton G.F. Canto Coral: qualidade de vida e motivação de funcionários. Publicado em 13 de maio de 2020, no site da Consultoria RHESOLUTRA. Disponível em: http://www.rhesolutra.com.br/blog/canto-coral/. Acesso em: XXXX.